Psicologia ClínicaPsicologia Educacional

Autismo e Coronavírus: estratégias para pais e cuidadores

Durante o período de confinamento, Antonio Narzisi, um autor que colabora regularmente com a Editora Hogrefe em Itália, reuniu uma série de dicas para pais e cuidadores de crianças com perturbações do espectro autista. O objetivo do artigo “Lidar com o autismo enquanto nos mantemos em casa devido ao Coronavírus: dez dicas para ajudar pais e cuidadores de crianças pequenas” é sumarizar algumas estratégias a adotar. 

De seguida, apresentamos uma tradução adaptada do artigo, publicado na Revista Brain Sciences em abril de 2020. Poderá encontrar a versão completa e original do artigo, de acesso livre, aqui

Introdução

Com a pandemia de COVID-19, muitos governos optaram por decretar medidas restritivas para conter a sua propagação e, para pais e filhos, ficar em casa é uma dessas medidas. Nesta situação, o tratamento de crianças com necessidades especiais, como é o caso daquelas que sofrem de perturbações do espectro autista, pode ser um enorme desafio.

Normalmente, estas crianças têm sessões com terapeutas especializados, quer em casa quer em instituições, no entanto, devido às medidas de contenção, esse apoio presencial pode não estar a ocorrer. Deve-se lidar com estas medidas de forma cuidadosa, para evitar o aumento do stress parental ou uma exacerbação dos problemas comportamentais das crianças. 

A perturbação do espectro autista é uma perturbação multifatorial grave, caracterizada por alterações no domínio da interação social e comunicação, restrição de interesses e comportamentos repetitivos. A incidência desta perturbação é mundial, com os dados mais recentes a apontarem para uma ocorrência superior a um em cada cem. O principal objetivo deste artigo é fornecer algum apoio, sumarizado em dez dicas, para as famílias lidarem com a perturbação do espectro autista durante este período.

Poderá encontrar informação mais detalhada sobre cada uma das dicas apresentadas, no artigo original, em inglês (aqui). 

Dez dicas para pais e cuidadores

1. Explicar à criança o que é a COVID-19
As crianças com perturbações do espectro autista têm padrões cognitivos específicos e podem ter dificuldades em entender certos fenómenos. É importante explicar o que é a COVID-19 e por que temos de tomar determinadas medidas. A explicação deve ser simples e concreta.

2. Estruturar as atividades diárias
Está amplamente estudado que as crianças com perturbações do espectro autista podem demonstrar dificuldades em planear as suas atividades diárias, especialmente quando a sua rotina é alterada. Por este motivo, e especialmente agora, é importante estruturar estas atividades. A casa é o único sítio onde elas podem acontecer, por isso pode ser útil subdividi-las e atribuir a cada uma a respetiva divisão da casa onde decorrerá. Esta atividade pode ser feita em família, como um jogo, utilizando um quadro onde cada membro da família tenha um espaço para escrever as atividades planeadas.

3. Organizar brincadeiras semiestruturadas 
As crianças com perturbações do espectro autista adoram brincar, mas podem ter dificuldade em compreender determinadas brincadeiras, quer por questões sensoriais quer por preferirem atividades semiestruturadas ou estruturadas. 
No decorrer do dia, é importante ir realizando brincadeiras, individuais ou partilhadas. Escolha brincadeiras de que a criança goste especialmente. Por exemplo, pode utilizar a Terapia LEGO®, um programa de habilidades sociais cada vez mais popular, baseada em LEGO®.

4. Utilizar serious games
Estes jogos podem ser úteis para melhorar a cognição social e reconhecer emoções faciais, gestos e situações emocionais, podendo ser uma ferramenta fundamental para crianças com perturbações do espectro autista. Alguns sites especializados apresentam vários jogos gratuitos e links diretos para download.

5. Organizar sessões de jogos ou de navegação na internet em conjunto com os pais
Os jogos de computador e a internet são muito atrativos para crianças com perturbações do espectro autista, mas podem tornar-se demasiado absorventes, especialmente durante esta altura. Não sendo possível evitar os momentos de jogo ou a internet, pode ser útil transformá-los em momentos em família. Desta forma, é evitado o risco de isolamento e de possíveis adições.

6. Implementar e partilhar os interesses pessoais com os pais
Uma das características das crianças com perturbações do espectro autista é terem interesses muito particulares, estando cada vez mais estudados os benefícios que estes interesses podem trazer à criança. É importante que os pais e os cuidadores fomentem estes interesses e, neste período em específico, realizem atividades em conjunto.

7. Realizar terapia online para crianças altamente funcionais
As vulnerabilidades e as comorbidades psiquiátricas são bastante comuns em crianças com perturbações do espectro autista, sendo a ansiedade uma das mais relatadas. Se a criança realizava psicoterapia antes da pandemia de COVID-19, é muito importante que continue a realizá-la. Não sendo possível realizá-la online, é importante mantê-la através de uma plataforma de videoconferência ou através de áudio. Além de reduzir a ansiedade e verificar a evolução da criança, permite-lhe usufruir de um espaço e tempo privados para falar com um especialista.

8. Manter consultas semanais online para pais e cuidadores
Os pais de crianças com perturbações do espectro autista apresentam níveis mais elevados de stress e suscetibilidade do que os pais de crianças com outras perturbações. Na situação atual, estando sozinhos na tarefa de cuidar da criança, os níveis de stress podem subir consideravelmente. Por este motivo, pode ser muito útil ter a possibilidade de reunir online, semanalmente, com o terapeuta da criança, para que possam fazer um ponto de situação e falar sobre possíveis estratégias a adotar.

9. Manter o contacto com a escola
A investigação tem demonstrado que a relação estabelecida com os professores e com os colegas de turma influencia a aprendizagem da criança. Por esta razão, é importante manter a rotina dos trabalhos de casa e o contacto com estas pessoas, ainda que de forma virtual. Se a criança não gostar de utilizar videochamadas para o efeito, poderá ser encorajada a escrever uma carta ou a telefonar, por exemplo.

10. Garantir a existência de “tempo livre” 
É importante estimular as crianças com esta perturbação, como referido nos pontos 1-9, mas também é importante manter algum tempo livre durante o dia, para, por exemplo, dar um passeio a pé perto de casa.

Estas dicas não são, obviamente, exaustivas, mas podem ajudar pais e cuidadores de crianças com perturbações do espectro autista a lidar com a situação causada pela pandemia de COVID-19 e a otimizar a adequação pessoa-ambiente.

Nota

Este artigo é uma tradução abreviada e adaptada do artigo completo:

Narzisi, A. (2020). “Handle the Autism Spectrum Condition during Coronavirus (COVID-19) Stay at Home Period: Ten Tips for Helping Parents and Caregivers of Young Children”. Brain Sci., 10(4), 207.

Artigo redigido por Ana Coelho.