Além da avaliação dos sintomas centrais da PEA (conferir Parte I do artigo), devem ser consideradas várias outras variáveis que não são específicas a estes sintomas, mas que afetam a sua apresentação e que podem levar a um diagnóstico errado.
Muitos indivíduos com PEA apresentam défice intelectual e/ou défice de linguagem (e.g., lentidão a falar, atraso da compreensão da linguagem em relação à produção). Mesmo aqueles com uma capacidade intelectual média ou alta apresentam um perfil de aptidões desigual. Estão também frequentemente presentes na PEA os défices motores (e.g., marcha estranha, movimentos desajeitados e outros sinais motores anormais, como andar em bicos de pés), as autolesões (e.g., bater com a cabeça, morder os punhos) e os comportamentos disruptivos/desafiantes, que são mais comuns em indivíduos com PEA do que noutras perturbações, incluindo incapacidade intelectual.1
Os défices e sintomas da PEA têm manifestações variáveis, dependendo da idade do indivíduo, do contexto em que se encontra, do nível intelectual e da capacidade de linguagem, bem como de outros fatores como a história do tratamento e suporte atual.
A avaliação do funcionamento cognitivo é crucial na contextualização da apresentação dos sintomas da PEA e défices observados. Vários sintomas (e.g., linguagem, relacionamento com pares, comportamentos repetitivos) requerem uma avaliação no contexto do nível de desenvolvimento, e a avaliação cognitiva permite esta comparação. Por exemplo, em alguns indivíduos, um funcionamento cognitivo inferior está associado a tipos mais frequentes e diferentes de interesses restritos e de comportamentos repetitivos, e maiores défices nas competências de comunicação social.
São também observados perfis cognitivos específicos, como é o caso do perfil característico do fenótipo da PEA: indivíduos com um desenvolvimento não-verbal superior, em comparação com o desenvolvimento verbal.10
De forma geral, a avaliação do funcionamento cognitivo de um indivíduo com PEA pode auxiliar num diagnóstico mais preciso, determinar forças e fraquezas, e ajudar no desenvolvimento de intervenções individuais apropriadas. Contudo, devido aos défices comumente associados à PEA – como dificuldades de motivação, dificuldades em manter-se na tarefa, interesses repetitivos em objetos e défices de linguagem –, a avaliação do funcionamento cognitivo pode ser desafiante. É essencial utilizar uma abordagem de desenvolvimento para a avaliação cognitiva, ou seja, escolher medidas e instrumentos apropriados, implementar intervalos e utilizar fontes de motivação apropriadas.11
Por outro lado, a presença de certos comportamentos (e.g., repetitivos12, 13) ou de fatores de desenvolvimento (e.g., idade14) e de défices cognitivos não é necessariamente indicadora de um diagnóstico de PEA, sendo imperativo considerar o papel do défice cognitivo ao avaliar a PEA.
O leque de competências de linguagem observados na PEA é vasto, e por este motivo a avaliação destas competências é uma componente central da avaliação. Muitos indivíduos apresentam défices de linguagem, que variam desde uma completa ausência da fala até atrasos na linguagem, compreensão pobre da fala, fala em eco, linguagem excessivamente literal e dificuldades de processamento da linguagem ou da fluência específicos.15 Para indivíduos com capacidades verbais, os défices de linguagem podem variar de um discurso programado a dificuldades na conversa recíproca. São também comuns os perfis de linguagem específicos na PEA, com tendência para a linguagem recetiva ser pior do que a linguagem expressiva.9
Apesar das competências de linguagem recetivas e expressivas serem geralmente avaliadas como parte da avaliação cognitiva, a utilização de medidas de avaliação da linguagem adicionais fornece mais informação acerca do funcionamento geral do indivíduo, auxiliando no diagnóstico diferencial e no planeamento da intervenção.
A avaliação do funcionamento adaptativo é outra componente importante da avaliação da PEA, pois fornece informação do funcionamento cotidiano do individuo. Em termos do planeamento de intervenção, a avaliação do funcionamento adaptativo permite compreender os pontos fortes e menos fortes do indivíduo. Os perfis observados na PEA incluem, geralmente, competências sociais e de comunicação como pontos menos fortes, e um funcionamento adaptativo inferior ao funcionamento cognitivo geral.16
Muitos indivíduos apresentam sintomas que não fazem parte dos critérios de diagnóstico para a PEA – cerca de 70% dos indivíduos com PEA podem ter uma perturbação mental comórbida e 40% têm 2 ou mais perturbações mentais comórbidas.1 Quando tanto os critérios para diagnósticos concomitantes como para a PEA são cumpridos, ambos os diagnósticos devem ser atribuídos. No entanto, é importante descartar outros diagnósticos ao avaliar um indivíduo com suspeita de PEA, como a Síndrome de Rett, mutismo seletivo, perturbações da linguagem e perturbação da comunicação social (pragmática), incapacidade intelectual sem PEA, perturbação de movimentos estereotipados, Perturbação da Hiperatividade e Défice de Atenção e Esquizofrenia.1
À medida que o diagnóstico precoce da PEA se tem tornado mais prevalente, existe um maior risco de diagnosticar de forma errada atrasos no desenvolvimento, devido à sobreposição da sintomatologia. Contudo, a causa subjacente e a trajetória de ambos podem diferir. Por exemplo, crianças com PEA têm um padrão e taxa de aquisição da linguagem diferente, bem como taxas diferentes de aquisição de competências sociais, em comparação com crianças com atrasos no desenvolvimento. Por este motivo, recomenda-se a avaliação complementar se os marcos de desenvolvimento nas áreas da comunicação estiverem com atrasos ou se existir perda de competências sociais e de comunicação.
1 American Psychological Association. (2014). DSM-5™ - Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, Climepsi Editores.
2 Munson, J., Dawson, G., Sterling, L., Beauchaine, T., Zhou, A., Koehler, E., … Frances, C. (2008). In Joseph, L., Soorya, L. & Thurm, A. (2015). Autism Spectrum Disorder.Advances in Psychotherapy: Evidence-based practice. USA: Hogrefe Publishing.
3 Ozonoff, S., Goodlin-Jones, B. & Solomon, M. (2005). In Joseph, L., Soorya, L. & Thurm, A. (2015). Autism Spectrum Disorder.Advances in Psychotherapy: Evidence-based practice. USA: Hogrefe Publishing.
4 Bodfish, J., Symons, F., Parker, D. & Lewis, M. (2000). In Joseph, L., Soorya, L. & Thurm, A. (2015). Autism Spectrum Disorder.Advances in Psychotherapy: Evidence-based practice. USA: Hogrefe Publishing.
5 Medeiros, K., Kozlowski, A., Beighley, J., Rojahn, J. & Matson, J. (2012). In Joseph, L., Soorya, L. & Thurm, A. (2015). Autism Spectrum Disorder.Advances in Psychotherapy: Evidence-based practice. USA: Hogrefe Publishing.
6 Lord, C. (1995). In Joseph, L., Soorya, L. & Thurm, A. (2015). Autism Spectrum Disorder.Advances in Psychotherapy: Evidence-based practice. USA: Hogrefe Publishing.
7 Leyfer, O., Tager-Flusberg, H., Dowd, M., Tomblin, J. & Folstein, S. (2008). In Joseph, L., Soorya, L. & Thurm, A. (2015). Autism Spectrum Disorder.Advances in Psychotherapy: Evidence-based practice. USA: Hogrefe Publishing.
8 Joseph, L., Soorya, L. & Thurm, A. (2015). Autism Spectrum Disorder.Advances in Psychotherapy: Evidence-based practice. USA: Hogrefe Publishing.
9 Charman, T., Pickles, A., Simonoff, E., Chandler, S., Loucas, T. & Baird, G. (2011). In Joseph, L., Soorya, L. & Thurm, A. (2015). Autism Spectrum Disorder.Advances in Psychotherapy: Evidence-based practice. USA: Hogrefe Publishing.