Ser com todas as cores

Em 2020, Ursula von der Leyen (Presidente da Comissão Europeia) afirmou que “ser o que somos não é uma questão de ideologia. É a nossa identidade. E ninguém pode privar-nos dela”.

De facto, ser pessoa pressupõe um espaço de construção interna muito amplo e rico, que se materializa na experiência vivida na relação com o outro. É nesta dualidade que, não só nos vamos construindo, mas simultaneamente vamos interagindo com o mundo que nos rodeia, acabando por influenciar e ser influenciado por este.

É nesta viagem de autoconstrução que se torna fundamental compreender as múltiplas expressões da identidade, da orientação sexual, das expressões de género e dos papéis sociais. Esta viagem de descoberta e construção de si, já por si complexa e desafiante, vê-se muitas vezes condicionada ou desrespeitada por preconceitos que provocam profundo sofrimento psicológico e manifestam a dificuldade de compreender e aceitar o que é diferente daquilo que (re)conhecemos, uma vez que tendemos a organizar as nossas vivências e experiências pessoais numa perceção segura, conhecida e, muitas vezes, monocromática.

E é, nesta jornada de reflexão pelo direito, respeito e tolerância pelas diferenças individuais que celebramos o Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia, efeméride assinalada a 17 de maio. Este dia marca o 34º aniversário da data da decisão da OMS de retirar a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde.

Desde então, que o movimento LGBTQIA+ tem vindo a expandir-se na sua designação e na representatividade das diversas minorias sexuais e de identidade de género.

Clarificamos o seu significado:

L – Lésbica (mulheres que sentem atração afetiva/sexual pelo mesmo género)

G – Gay (homens que sentem atração afetiva/sexual pelo mesmo género)

B – Bissexual (mulheres e homens que sentem atração afetiva/sexual por mais de um género)

T – Transexual/Transgénero (pessoas que se identificam com outro género que não aquele do nascimento. Conceito relacionado a identidade de género e não sexual/afetiva)

Q – Queer (pessoas que transitam entre os géneros feminino e masculino ou em outros géneros quais o binarismo não se aplica)

I – Intersexo (pessoas cujo desenvolvimento sexual corporal não se encaixa na norma binária)

A – Assexual (pessoas que não têm atração sexual e/ou afetiva por outras pessoas)

+ – Envolve todas as diversas possibilidades de orientação sexual e identificação de género que existam

Ao longo destas últimas três décadas temos vindo a encontrar um percurso de desmitificação e integração que se verifica também ao nível da legislação e das políticas públicas. Nomeadamente:

1982

Descriminalização da Homossexualidade (Decreto-Lei 400/82, de 23/09).

2001

União de facto entre casais do mesmo sexo ou sexo diferente (Lei nº 23/2010 de 30 de agosto).

2003

Regime único em matéria de igualdade e não discriminação (Lei nº 28/2015 de 14 de abril).

2005

Não diferenciação do dever em razão da orientação sexual (Artigo 13º da Constituição).

2006

Liberdade de circulação ao\à cônjuge de cidadão\ã da União Europeia ou a quem com ele\a resida em união de facto (Lei n.º 37/2006, de 09/08).

2007

Agravamento dos crimes de ódio;

Todos têm direito à atividade física e desportiva, independentemente da sua ascendência, sexo, raça, etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual (Lei nº 5/2007 de 16 de janeiro);

Elimina tipos de crime diferenciadores de atos praticados sobre pessoas do mesmo sexo ou do sexo diferente e eleva a idade a partir da qual o consentimento justificante pode ser eficaz, de catorze para dezasseis anos (Lei nº 59/2007).

2008

Igualdade e não discriminação no contrato de trabalho em funções públicas (Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07/01);

Estabelecimento das condições e procedimentos de admissibilidade dos pedidos de asilo ou proteção subsidiária (Lei n.º 27/2008, de 30/06).

2009

Regime de aplicação da educação sexual em meio escolar (Lei nº 60/2009 de 6 de agosto).

2010

Regime de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo (Lei nº 9/2010 de 31 de maio).

2011

Proíbe a discriminação no acesso e exercício do trabalho independente (Lei n.º 3/2011 de 15 de fevereiro);

Criado o procedimento de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil (Lei nº 7/2011 de 15 de março).

2012

Reconhecido o direito de reagrupamento familiar ao\à cônjuge de cidadão\ã da União Europeia ou a quem com ele\a resida em união de facto (Leis nºs 7/2001 e 7/2010);

Atualização do Estatuto do Aluno e Ética Escolar (Lei nº 51/2012 de 5 de setembro).

2013

Agravamento das penas em questão de discriminação (Lei n.º 19/2013, de 21/02 – 29.ª alteração ao Código Penal).

2016

Eliminação das discriminações de acesso à adoção, apadrinhamento civil e demais relações jurídicas familiares (Lei nº 2/2016 de 29 de fevereiro alteração à Lei nº 7/2001);

Fim da discriminação com base na orientação sexual na doação de sangue (Norma de orientação clínica da DGS nº 009/2016 de 19 de setembro).

2018

Estabelece o direito e proíbe qualquer discriminação em função do exercício do direito à identidade de género e expressão de género e do direito à proteção das características sexuais (Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/2018).

2019

Estabelece os princípios, direitos e deveres aplicáveis em matéria de proteção na preconceção, na procriação medicamente assistida, na gravidez, no parto, no nascimento e no puerpério (Lei n.º 110/2019, de 09/09).

2024

Proibição das práticas denominadas de «conversão sexual» (Lei n.º 15/2024, de 29/01).

Partilhamos consigo alguns dados interessantes:

  • Em 2023, num estudo a 49 países, Portugal ocupava o 11º lugar do ranking de direitos LGBTQIA+ (estudo da ILGA Europa - Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo);

  • Em Portugal, 6% da população identifica-se como LGBTQIA+, contudo esta percentagem varia consoante as gerações a que pertencem e as regiões onde vivem (Ipsos LGBT+ Pride 2023);

  • 48% dos portugueses indicou que tem um familiar, amigo ou colega de trabalho LGBTQIA+ Ipsos LGBT+ Pride 2023);

  • 80% dos portugueses apoiam o casamento legal entre pessoas do mesmo sexo;

  • 77% concorda com o direito à adoção (Ipsos LGBT+ Pride 2023);

  • 80% dos portugueses reconhece que as pessoas transgénero devem ser protegidas contra a discriminação no emprego, na habitação e no acesso a restaurantes e lojas (Ipsos LGBT+ Pride 2023);

  • 72% dos portugueses apoiam a hipótese de adolescentes trans poderem ser autorizados a receber cuidados de afirmação do género com o consentimento dos pais(Ipsos LGBT+ Pride 2023);

  • As mulheres e as gerações mais jovens tendem a expressar maior inclinação para apoiar o alargamento dos direitos das minorias (Ipsos LGBT+ Pride 2023).

Trata-se, no fim de contas não só do respeito pela comunidade LGBTQIA+, mas da noção de Direitos Humanos no geral, e sobretudo do direito e da liberdade individual. A minha e a do outro, independentemente da cor da sua bandeira.

Psychologist – Training & Marketing

Ana Cartaxo

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